Vivemos uma era de abundância. Nunca foi tão fácil encontrar vídeos explicando técnicas, ver reels com dicas de protocolo ou acompanhar colegas que expõem sua rotina clínica em tempo real. Parece, à primeira vista, um paraíso para quem está começando. Mas, com o tempo e com a escuta de muitos jovens profissionais, percebi que estamos cultivando algo perigoso: uma geração que aprende a se expor antes de aprender a executar. E isso, no campo da saúde, é preocupante.
O que mais escuto de colegas em formação ou recém-formados é um misto de admiração e insegurança. Admiram quem já tem uma carreira sólida, mas se sentem perdidos no próprio caminho. Sabem fazer um sorriso digital, mas travam diante de uma dor persistente. Sabem editar um vídeo impecável, mas não conseguem sustentar uma consulta mais longa.
É preciso critério quando escolhemos com quem vamos aprender e em quem vamos nos inspirar.
Bons tutores nos ensinam mais do que técnica. Ensinam lógica clínica, ética, responsabilidade.
Influenciadores apontam atalhos. Tutores constroem caminhos.
Quando falo em tutor, não me refiro a alguém com mais tempo de profissão apenas. Me refiro a quem está disposto a ensinar com generosidade. A parar para revisar um caso. A conversar sobre erros. A mostrar que a clínica real é feita de dúvidas, ajustes, escuta e presença. Não de filtros, trilhas sonoras e ângulos estratégicos.
Tenho visto uma juventude brilhante, cheia de vontade, que às vezes se sente insuficiente por não “performar” como os outros. Gente que acha que está atrasada só porque o colega viralizou. Profissionais que colocam mais energia em parecer competentes do que em se tornar competentes de fato. E isso é doloroso, porque cria um ciclo de frustração, comparação e abandono precoce da profissão.
Formar alguém vai muito além de ensinar o "como fazer". É ajudar essa pessoa a entender o "por que fazer" e o "quando não fazer". É preciso resgatar a tutoria como um valor essencial da prática odontológica. Não como um papel formal, mas como uma atitude diária. Na clínica. Na faculdade. No estágio. No consultório. No café. No grupo de estudos.
Porque só quem foi verdadeiramente acompanhado sabe a diferença que isso faz. A nova geração não precisa de mais conteúdo. Precisa de mais acolhimento. De mais conversas sinceras. De mais profissionais dispostos a formar, não apenas a ensinar.
Se queremos uma odontologia mais humana, mais ética, mais consciente, precisamos começar pela base. E a base é feita de vínculos. De confiança. De presença. De tutores que saibam que formar alguém é, também, uma forma de transformar o futuro da profissão.
Essa responsabilidade é de todos nós. E talvez, nesse momento, o que mais falte à odontologia… não seja inovação. Mas tutoria.