O relato de dentes sensíveis sempre foi muito comum na rotina odontológica, porém nos dias atuais tem aumentado em uma velocidade assustadora. Pacientes extremamente jovens queixando-se de sensibilidade com sinais de envelhecimento precoce.
Quando nosso paciente apresenta recessões gengivais, desgastes acentuados, dentina exposta é muito fácil de entender por que o paciente sente sensibilidade. Mesmo sem ainda identificar a causa, já sabemos que algo está acontecendo e afetando a saúde das estruturas bucais.
Mas eu aposto que todo mundo já teve um paciente sem lesões cervicais, sem raízes expostas, sem grandes desgastes e que mesmo assim relata uma forte sensibilidade dentinária.... Isso já ocorreu inúmeras vezes comigo, e eu sempre pensava “não pode ser, de onde vem isso? Não existe dentina exposta para o paciente que me relatar sensibilidade.” Essa dúvida ficou tão pertinente que precisei me aprofundar um pouco nos estudos da sensibilidade dentinária, SEPB e estilo de vida para entender o que estava acontecendo com meu paciente.
Acontece que esse paciente que não possui exposições dentinárias AINDA, mais cedo ou mais tarde vai apresentar se nada for feito. Ele sente sensibilidade por que já existe um esmalte que está VULNERÁVEL principalmente em regiões cervicais onde a camada naturalmente já é mais fina. Esse esmalte antes de desgastar vai se apresentar fino, corrido, trincado = VULNERÁVEL... Já expondo a dentina, mesmo que ainda não seja visível aos nossos olhos! E é fundamental agir nesta fase, enquanto ainda não há lesões cervicais.
Mas por que o esmalte se torna vulnerável? Não há uma única resposta para essa pergunta. Muitos ainda buscam a origem de maneira muito limitada e errônea, afirmando para o paciente que ele escova com muita força, por exemplo. Porém hoje, o que podemos afirmar com maior certeza é que o estilo de vida atual da nossa sociedade contribui muito para essa condição. Vivemos cada vez mais estressados, apertando nossos dentes, por vezes utilizando medicações como antidepressivos e ansiolíticos em busca de saúde mental, porém essas substâncias afetam diretamente nossa saúde bucal aumentando hábitos de parafunção e reduzindo a produção de saliva. Consumindo cada vez mais alimentos e suplementos ácidos como forma de buscar saúde para o corpo e que corroem nossos dentes. Reduzindo o uso do flúor por medo de prejuízos em função de várias campanhas difamatórias e mentirosas que vemos por aí…
Destruímos nossos dentes quando pensamos que temos que “performar” sempre entre os melhores no trabalho, na academia, no treino, em casa, na faculdade... Quando achamos que tomar um remédio para o estresse, tomar muitos suplementos e treinar 7 dias da semana, mesmo que pra isso eu precise me privar de horas de sono e descanso, teremos mais saúde.
Estamos nos tornando vítimas de nossas escolhas, das nossas vidas cada vez mais corridas e cheias de compromissos, com a falsa ideia de que você precisa fazer tudo e ser sempre o melhor. Que precisamos ser produtivos o tempo todo. Quando achamos que o ócio não é bem-vindo. Que o descanso é perda de tempo. Quando achamos que é preciso estar SEMPRE em movimento. Isso tudo afeta nossa saúde, e no combo vem a destruição dos nossos dentes. Assim vivemos uma epidemia de doenças bucais não cariosas, nos apresentando pacientes muito jovens com dentes muito desgastados.
Identificar o que está causando tudo isso não é uma tarefa simples. Você precisa primeiramente de tempo, às vezes é difícil encontrar as respostas que precisamos, até porque o paciente nem imagina que os hábitos que ele adquiriu em busca de “saúde" podem estar prejudicando a saúde bucal. A aceitação e entendimento da situação também podem ser difíceis. É necessária uma anamnese profunda discutindo sobre rotina (tente saber o que o seu paciente faz durante o dia), dieta (o que ele come? Se necessário fazer um diário alimentar, como são seus hábitos de higiene? Como é o sono? Usa medicações? Suplementos? Faz acompanhamento com nutricionista? Trata algum problema crônico? Como é o trabalho? Jornada de quantas horas? Qual cargo? Pratica algum esporte? Qual é a quantidade de água que ele ingere? Refluxo gastroesofágico? Hipertensão? Etc. Ouça com atenção cada detalhe, você encontrará todas as respostas se der tempo para que seu paciente lhe conte como a vida dele é.
Faça um exame detalhado, mostre para ele os sinais presentes na boca. Converse sobre algumas mudanças, mostre a importância de adaptar ou substituir alguns hábitos prejudiciais por outros que tragam menos prejuízo. E aqui entramos em mais uma questão, desconstruir a ideia de que quando falamos em hábitos saudáveis, falamos de preencher todas as suas horas livres com treinos, consumir muitos suplementos, shots da imunidade, dieta detox.... por que curiosamente são esses hábitos, que quando desorientados, estão destruindo a boca dos nossos pacientes. Para um hábito ser saudável, ele não pode causar dano a nenhuma estrutura do nosso corpo.
Por fim, não esqueça que sensibilidade dentinária não é normal e precisa de intervenção, mesmo que ainda sem sinais visíveis e que a busca pela causa é a chave do tratamento. Redução de estresse e adequação hábitos (sono, dieta, estilo de vida), manejo clínico de doenças como refluxo gastroesofágico, uso de medicações e suplementações de forma adequada, proteção dos dentes com placas oclusais durante o sono e protetores bucais durante treinos (usados e construídos de forma correta) é o que vai fazer o tratamento ser efetivo. Se o estímulo (causa) continuar e nada for feito para minimizar os danos, não vamos conseguir conter o colapso das estruturas bucais.