Em algum ponto da jornada, o jaleco deixou de ser apenas um uniforme. Ele virou escudo. Defesa. Barreira entre o mundo e o que sentimos.
Vestimos essa peça com orgulho, é verdade. Ela representa tudo que estudamos, o propósito que nos move, a responsabilidade que aceitamos carregar. Mas, silenciosamente, ela também começa a esconder o peso que nos cala: o esgotamento emocional de quem não pára nunca.
Porque não nos ensinaram a parar. Nos ensinaram a atender mais, a suportar mais, a absorver mais. E assim seguimos: acumulando cansaço, empurrando dores para depois, escondendo vulnerabilidades embaixo de uma roupa branca. Uma roupa que, ironicamente, deveria representar saúde, mas que tantas vezes veste o desgaste.
O corpo dá sinais. Mas a gente silencia. Dizemos “tô bem” quando estamos prestes a quebrar. Colocamos o sorriso automático, cumprimos mais uma jornada, resolvemos mais uma urgência e vamos embora tarde, com a alma vazia. E a sociedade aplaude.
Aplaude o profissional incansável, o “guerreiro”, o que não falta um dia, o que está sempre disponível. Mas ninguém pergunta a que custo. Ninguém vê o preço emocional pago por essa disponibilidade constante.
A exaustão virou rotina. O burnout, quase status. E o autocuidado, um luxo para quem “tem tempo”.
Só que não há saúde possível nesse ciclo.
Porque o adoecimento emocional dos profissionais da saúde não acontece com um estouro ele se acumula no silêncio, no esquecimento de si, no hábito de cuidar do outro como prioridade absoluta e inegociável.
A verdade? Cuidar do outro sem se cuidar é uma violência contra si.
Não se trata de egoísmo. Se trata de sobrevivência. De entender que pausa não é fraqueza, é manutenção. Que repousar não é irresponsável, é estratégico. Que a nossa capacidade de cuidar está diretamente ligada à nossa capacidade de permanecer inteiros.
Talvez você já tenha sentido isso. Talvez esteja sentindo agora. Talvez o seu jaleco já não represente mais só a medicina ou a odontologia que escolheu, mas também o peso de um sistema que te cobra produtividade, perfeição e presença, sem oferecer espaço para humanidade.
Se for o caso, quero te lembrar: você também tem direito ao cuidado. E talvez o ato mais ético que você possa exercer hoje seja esse: se escutar, se permitir, se acolher.
Porque o jaleco não pode ser prisão. Ele precisa ser símbolo de compromisso com a saúde do outro e, antes disso, com a sua!